crônicas

Acontece com frequência

Sinal vermelho. Vejo, através da janela, uma mulher segurando várias sacolas e com o olhar fixo em um ônibus à distância. Acho que ela reconheceu o número, porque de repente começa a correr como se a vida dela dependesse disso. As sacolas vão balançando, cada uma pra um lado, mas ela apenas se concentra em seguir reto para alcançar o ônibus, sem olhar para trás.

O motorista a viu. Ela notou. E, nesse momento, a mágica acontece: a mulher desacelera. Agora, caminha numa calma absoluta, como se tivesse todo o tempo do mundo. “Ele me viu, né?” ela deve estar pensando. “Seria sacanagem ele sair justo agora, depois de me ver nesse pique olímpico”.

É engraçado perceber que esse tipo de situação é mais frequente do que parece. A gente se esforça oferecendo o melhor de si, equilibrando um montão de “sacolas” de uma só vez. Mas basta alguém nos observar e validar o nosso esforço e… pronto. Desaceleramos. Nos sentimos garantidos pelo olhar do outro, como se dependêssemos dessa validação para acreditar que estamos no caminho certo. Mas, e se o motorista tivesse simplesmente dado partida, deixando a moça no vácuo?

Essa cena é o clássico clichê de quem pega transporte público todo dia. Tem dias que sou eu correndo, com a mochila do trabalho nas costas e a dignidade pendurada. E tem dias, como hoje, que sou só a espectadora, me perguntando: por que a gente desacelera justo quando estamos a um passo de conseguir o que buscamos?

É raro, mas acontece com frequência.

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